terça-feira, 11 de março de 2014

Texto da Carta Capital

Achei interessante este texto.


O mosaico imperfeito na cabeça do torcedor


Crédito: Fanpage oficial Rogério Ceni
Crédito: Fanpage oficial Rogério Ceni
– Fala, viado!
– E aí, sua bicha!
Sim, homens se cumprimentam assim. É infantil, é ofensivo aos olhos dos outros, é primata. E isso dificilmente mudará. Mas existe uma questão fundamental: são modos entre amigos que se sentem íntimos o suficiente para falar assim, sem que isso represente qualquer discussão sobre sexualidade. Ponto.

O que houve no clássico de domingo entre Corinthians e São Paulo é diferente. Ou ao menos, tornou-se com o passar dos anos. A cada tiro de meta batido por Rogério Ceni, parte da torcida corintiana gritava “oooooo bicha”, em uma adaptação de um costume do futebol mexicano, onde o goleiro adversário é sempre tratado como “puto”.

Em um primeiro momento, parece apenas uma piada. Afinal, os são-paulinos se importam muito com a troça, defendem uns. E daí vem a graça, concluem outros. Mas é difícil hoje nivelar isso com o “juiz ladrão”. O “bicha” está muito mais próximo do “macaco” proferido recentemente em direção a Tinga, Arouca e ao árbitro Márcio Chagas da Silva.

Não se trata mais de provocação, e sim de uma manifestação que carrega elementos que assolam a sociedade como um todo: intolerância, racismo, ódio, homofobia. Quando Emerson Sheik posou dando um “selinho” em um amigo, centenas de mensagens transbordaram nas redes sociais e em seu próprio perfil no Instagram criticando a foto, ofendendo o jogador e dizendo que aquilo representava uma vergonha para o Corinthians.

Se um simples beijo é capaz de despertar a ira de tantos torcedores do Corinthians, como defender o que foi feito com Rogério Ceni como simples troça? Além disso, episódios recentes só reforçam de que o torcedor, independente do time, considera o estádio de futebol em um ambiente totalmente à parte, onde jogar uma banana no campo, atirar um copo de urina na arquibancada, disparar um sinalizador em qualquer direção e chutar a cabeça do torcedor rival se tornam práticas permitidas por uma lei própria que rege aquele universo.

A questão não é tirar a graça do futebol, e sim refletir o que ainda realmente tem graça. Analisar a intenção por dentro da cabeça de um torcedor é pedir para mergulhar num poço sem fundo de contradições. Deixar a racionalidade de lado, é algo extremamente comum no futebol. O perigo se esconde justamente no lado imprevisível que todos nós carregamos e defendemos como paixão.
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