quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Explicações jurídicas sobre a invasão da rua

Tenho ouvido muito a tese: "o Inter não invadiu a rua porque a rua é que invadiu o terreno do Inter".
Dirigentes estão falando isso.
E jornalistas estão aceitando.

Foto: http://noticias.bol.uol.com.br/fotos/copa-do-mundo/2013/12/13/beira-rio---dezembro2013.htm
Espero trazer alguns esclarecimentos:
Não vou entrar na tese se de fato houve ou não a invasão ou se o Inter invadiu outras áreas.

Vou considerar verdadeira essa tese de que foi a rua que invadiu o terreno do Inter.
Mesmo assim, não poderia o clube, agora, invadir a rua.

Sendo o terreno de propriedade do clube, a construção de uma rua no local seria um uso da propriedade privada pela administração pública.

Tal procedimento é legal e constitucional, conforme artigo 5°, inciso XXIV da Constituição:

"a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição."

Esta desapropriação pode ser legal, ou seja,  com um trâmite de um processo de desapropriação.
Ou, pode ter acontecido de fato, sem o processo de desapropriação, mas na prática, tenha invadido o terreno.

Esta é a chamada desapropriação indireta é aceitas nos Tribunais e na Doutrina.

O brilhante jurista Hely Lopes Meirelles (“Curso de Direito Administrativo”, 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, pp. 600/601) assim escreve: 

“A desapropriação indireta não passa de esbulho da propriedade particular e, como tal, não encontra apoio em lei. É situação de fato que se vai generalizando em nossos dias, mas que a ela pode opor-se o proprietário até mesmo com os interditos possessórios. Consumado o apossamento dos bens e integrados no domínio público, tornam-se, daí por diante, insuscetíveis de reintegração ou reivindicação, restando ao particular espoliado haver a indenização correspondente, da maneira mais completa possível, inclusive correção monetária, juros moratórios, compensatórios a contar do esbulho e honorários do advogado, por se tratar de ato caracteristicamente ilícito da Administração."

Confesso que desconheço se houve ou não o processo de desapropriação no caso da Padre Cacique.

Mas, se não houve, ocorreu a desapropriação indireta por parte da Prefeitura.
Cabe ao lesado, apenas, buscar indenização pelo ocorrido.
Não pode "invadir de volta".
É vedado o exercício de próprias razões.

Caberia ao Inter buscar apenas uma indenização se a Padre Cacique invadiu o terreno do Beira-Rio.
Sem contar que, sendo tal suposta invasão ocorreu quando da construção do estádio, em 1969, o direito de pleitear qualquer indenização por parte do Inter já prescreveu, pois o prazo de prescrição é de 20 anos, conforme a súmula 119 do STJ. 
Portanto, o prazo para o Inter buscar alguma indenização pela suposta invasão da rua prescreveu, no mínimo, em abril de 1989.

Ademais, o ato de invadir a rua apresenta outra ilegalidade.
Rua é um bem público de uso comum do povo.
Conforme o Código Civil:
 
Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;


Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.



Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

Um bem público de uso comum do povo não pode ser vendido ou objeto de usucapião.
Muito menos ser invadido, sem qualquer pagamento ao ente público.
A Prefeitura de Porto Alegre, ao não se opor a esta invasão indevida, está agindo contra os princípios da administração pública e contra o erário público.
Caberia ao TCE e ao Ministério Público apurar tal questão.
Espero ter esclarecido tal questão.


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